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Um mês após desastre do Litoral Norte, faltam psicólogas/os contratados; CRP SP fornece subsídios e orientação à categoria


Publicado em: 20 de março de 2023

Na madrugada do dia 19 de fevereiro, o Litoral Norte de São Paulo, sofreu com um volume de chuvas e deslizamentos de terra que ocasionaram perdas humanas e materiais. Completando 30 dias desde a tragédia, Estado e municípios ainda não conseguiram estruturar uma rede de atenção psicológica para as/os afetadas/os, deixando a cargo de organizações sociais e da própria comunidade, a realização deste trabalho.

O CRP SP tem acompanhado de perto estas demandas e buscado intervir no diálogo com a administração pública, seja ela municipal, estadual ou federal, para que sejam realizadas contratações de profissionais. E por meio de informes e notas públicas tem buscado subsidiar o trabalho de psicólogas/os, que estão atuando como voluntários na região. 

Entre os insumos sugeridos estão “Referências Técnicas para Atuação de Psicólogas/os na Gestão Integral de Riscos, Emergências e Desastres”,  a “Nota Técnica sobre Atuação da Psicologia na Gestão Integral de Riscos e de Desastres, Relacionadas com a Política de Proteção e Defesa Civil”, e a publicação Direitos Humanos e Proteção Integral das Pessoas Afetadas por Desastres Socioambientais. Além de outras normativas, protocolos e diretrizes internacionais em Saúde Mental e Apoio Psicossocial em Emergências Humanitárias (SMAPS) para gestão integral de riscos, emergências e desastres. Além disso, o CRP criou um grupo de trabalho para acompanhar a situação e um novo canal de atendimento exclusivo para escuta e orientação referente as ações no Litoral Norte, que pode ser acessado por meio do e-mail [email protected]. A atual gestão também criou a Comissão Especial de Emergências e Desastres. 

Um dos grandes problemas em situações de emergências e desastres é falta de regularidade e continuidade nas ações. Doralice Marques da Costa Sander, psicóloga (CRP 06/178750), conta que houve um enorme apoio voluntário logo após a tragédia, mas que foi pontual e logo se dissipou. Até mesmo os grandes hospitais que haviam enviado profissionais para este suporte, já se retiraram do local. Por outro lado, não houve nenhuma estrutura pública montada nos postos de saúde da região para atender à demanda. E a tendência é que na medida em que os dias passam, a situação e a vida das pessoas afetadas pela tragédia caiam em esquecimento.

Moradora de São Paulo, capital, Doralice estava na região quando aconteceram os deslizamentos e desde então tem coordenado frentes de atendimento de psicoterapia. Atualmente são aproximadamente 30 psicólogas/os atuando de forma voluntária ou com o recebimento de valores sociais pagos a partir de doações recolhidas por instituições locais, como o Instituto Verdescola. “As frentes de atendimento psicológico estão sendo organizadas pelas próprias comunidades. Se você passar pelos postos de saúde verá que tem psicólogas/os em alguns, mas não dão conta da demanda”, conta. Para ela, é preciso cobrar para que governo de Estado São Paulo e municípios fixem pontos de atendimento psicológico na região, a partir da contratação de profissionais. 

Para o psicólogo e conselheiro Leonardo Maggi Gambatto (CRP 06/124424), isso se reflete na necessidade de uma atuação intersetorial. “É comum em situações de emergências e desastres sermos afetados pelo sentimento de ‘boa fé, solidariedade e empatia’, e nos sentirmos na ‘obrigação de se fazer algo’”. Mas estas ações não podem ser isoladas por parte do próprio profissional. “Elas precisam ser transversalizadas, junto às políticas públicas e aos serviços locais, inclusive, de modo intersetorial, envolvendo a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), entidades humanitárias, a comunidade, e outros atores relevantes”, explica. É preciso também orientação ética e profissional para que “o desejo de ajudar não se constitua em fator de risco”, completa.

Direito à Moradia 

Outra demanda importante diz respeito ao direito à moradia adequada e ao uso e ocupação do solo. É sabido que a maior parte das pessoas afetadas viviam na Vila Sahy, região de morros na parte de trás do balneário. Muitas dessas famílias foram empurradas para essa região em função da especulação imobiliária e pela falta de áreas seguras onde pudessem construir e viver.

De acordo com o psicólogo e conselheiro Wilson Flávio Lourenço Nogueira (CRP 06/53258), houve ocasião, há dois anos, em que o prefeito da cidade tentou construir quatrocentas moradias populares em uma área localizada num bairro nobre da cidade, mas foi impedido por um grupo de moradores de classe média e alta que se levantou contra o projeto e bloqueou até o financiamento da obra. “É criminoso e perverso que alguns criem bunkers de alto valor, muitas vezes rotulados de sustentáveis e verdes, às custas das vidas de outros”, diz.

Wilson tem realizado um trabalho de acompanhamento na região. Manteve contato com a Defesa Civil de São Sebastião para colocar o CRP SP à disposição para possíveis colaborações, participa de grupos de Whatsapp com profissionais psicólogas/os, criados para dar apoio psicológico às famílias afetadas, e também participou de uma live sobre Emergências e Desastres promovida pela Faculdade Módulo, de Caraguatatuba.

Saúde dos Profissionais

Jumara Silvia Van De Velde, psicóloga (CRP 06/7616) e moradora de Ilhabela, que já foi conselheira do CRP SP, lembra que em relação aos diferentes casos que já acompanhou de situações de Emergências e Desastres, há hoje uma participação mais qualitativa e efetiva no que diz respeito à saúde mental. “Hoje há uma compreensão maior por parte das/os profissionais de Psicologia sobre seu papel diante de emergências e desastres, porque há informação e conhecimento de qualidade disponível para a categoria”.

No entanto, ainda é preciso avançar no trabalho de escuta das/os próprias/os profissionais que atuam na linha de frente destas situações, inclusive, as/os psicólogas/os. E este trabalho precisa ter continuidade.  Neste um mês pós desastre, a Subsede Vale do Paraíba e Litoral Norte e as/os conselheiras/os que atuam na região tem recebido diversos contatos e pedidos de orientação. “Há uma população de profissionais extremamente desgastados e sem muita referência de como atuar com essa nova realidade”, expõe Wilson. “E o trabalho do CRP SP é justamente produzir subsídios e orientações para estas/os profissionais”, conclui.