Impressos / Matérias


A regulação da ans sobre a Saúde Suplementar: plano-referência e atuais mecanismos de inserção do psicólogo no setor



Publicado em: 31 de agosto de 1982

Desde a sua criação a ANS vem regulando o setor da saúde suplementar de forma bastante abrangente, sendo que as Resoluções mais relevantes para o presente estudo são aquelas que tratam do plano-referência obrigatório, que deve ser oferecido por todas as operadoras de planos de saúde, e aquelas que tratam dos estímulos para que as operadoras introduzam em seus planos de saúde serviços de saúde que potencialmente podem ser oferecidos pelos psicólogos.

a) Resolução Normativa - RN nº 82, de 29 de setembro de 2004.

A Resolução Normativa RN n. 82, de 29 de setembro de 2004, é a norma vigente que estabelece o plano-referência de assistência à saúde, por meio da definição de um Rol de Procedimentos. Uma característica da regulação do setor é, portanto, que o plano-referência definido pela Lei 9.656/1998 constitui a referência básica para cobertura assistencial nos planos privados de assistência a saúde, e é definido a partir de um rol de procedimentos elencados expressamente pela regulação da ANS. Por meio da Resolução Normativa n. 82/2004, a Diretoria Colegiada da
Agência Nacional de Saúde Suplementar-ANS, em reunião realizada em 28 de setembro de 2004 e tendo em vista o disposto no inciso III, do art. 4, da Lei nº 9.961, de 28 de janeiro de 2000, e no § 4º ,do art. 10, da Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, no uso da competência que lhe é conferida pelo inciso II, do art.10, da Lei nº 9.961 de 2000, e considerando a necessidade de adequação e
aprimoramento da nomenclatura e formatação empregadas no Rol de Procedimentos instituído pela Resolução de Diretoria Colegiada – RDC nº 67, de 7 de maio de 2001, estabeleceu o novo Rol de Procedimentos que constitui a referência básica de cobertura nos planos privados de assistência à saúde.

O novo Rol de Procedimentos definido na RN 82/2004 constitui a referência básica para cobertura assistencial nos planos privados de assistência a saúde e consta do Anexo I da referida Resolução Normativa. Referida Resolução também estabeleceu o Rol de Procedimentos de Alta Complexidade, compreendendo uma seleção extraída do Rol de Procedimentos, que pode ser objeto de cobertura parcial temporária, conforme o disposto na Resolução CONSU n.º 2/98. A classificação do Rol de Procedimentos foi estabelecida pela RN 82/2004 de acordo com a segmentação contratada: Ambulatorial, Hospitalar com Obstetrícia e Hospitalar sem Obstetrícia. Esta nova classificação deve deve ser utilizada como referência de cobertura para todos os contratos firmados a partir de 1º de janeiro de 199924, na forma do Anexo I da Resolução Normativa.

A Resolução Normativa 82/2004 revogou expressamente as Resoluções que a antecederam, notadamente as Resoluções de Diretoria Colegiada – RDC nº 67, RDC nº 68 e RDC n.º 81 de 2001. O Anexo I da Resolução está disponível para consulta e cópia na página da internet www.ans.gov.br. Uma possível alteração normativa que poderia ser proposta pelo Conselho Regional de Psicologia à ANS é justamente no sentido de inserir os procedimentos psicológicos essenciais para a garantia da saúde do ser humano, dentro do contexto da integralidade, no Rol de Procedimentos obrigatórios que devem ser oferecidos por todas as operadoras de planos de saúde. Atualmente, a Agência Nacional de Saúde Suplementar já está trabalhando com a idéia de inserir nos serviços prestados pelas operadoras de planos de saúde aqueles referentes à promoção e prevenção da saúde, deslocando o foco da saúde suplementar das ações puramente no campo da recuperação da saúde (extremamente medicalizada) para as ações de promoção e prevenção. Nesse sentido foi editada a Resolução Normativa n. 94, de 23 de março de 2005. Esta
Resolução, embora caminhe no sentido certo, ainda trabalha com enfoque indutor, não sendo de aplicação obrigatória pelas operadoras.

b) Resolução Normativa - RN N° 94, de 23 de março de 2005: programa de promoção da saúde e prevenção de riscos e doenças

Visando ampliar o conceito dos planos-referência e inserir uma concepção alinhada com o princípio da integralidade definido pela Constituição Federal para o sistema público de saúde, a Agência Nacional de Saúde Suplementar editou a Resolução Normativa 94, de 23 de março de 2005, que dispõe sobre os critérios para o diferimento da cobertura com ativos garantidores da provisão de risco condicionada à adoção, pelas operadoras de planos de assistência à saúde, de programas de promoção à saúde e prevenção de doenças de seus beneficiários.

A Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, em reunião realizada em 09 de março de 2005, no uso das atribuições legais conferidas pelo art. 35-A, parágrafo único, da Lei n.º 9.656, de 3 de junho de 1998 e pelo art. 10, inciso II, da Lei n.º 9.961, de 28 de janeiro de 2000, adotou a Resolução Normativa 94/2005 e estipulou critérios de diferimento da
cobertura com ativos garantidores da provisão de risco definida na Resolução RDC Nº 77, de 17 de julho de 200125, a serem observados pelas operadoras de planos privados de assistência à saúde que aderirem a programas de promoção à saúde e prevenção de riscos e doenças. Por meio da RN 94/2005 a ANS estabeleceu, assim, critérios para a prorrogação dos prazos para a integralização da cobertura com ativos garantidores das provisões de risco definidas na RDC 77/2001 pelas operadoras de planos de saúde que aderirem a programas de promoção da saúde e prevenção de riscos e doenças.

Em outras palavras, a Resoluçã o trabalha com o conceito de norma jurídica indutora de ações, oferecendo benefícios às operadoras que aderirem a programas de promoção à saúde prevenção de doenças de seus beneficiários. O disposto na Resolução 94/2005 não se aplica às autogestões patrocinadas e às seguradoras especializadas em saúde, pois estas possuem outro tipo de regulação no que se refere ao cálculo de provisão de risco. O mecanismo indutor usado pela ANS é o de oferecer uma flexibilização na cobertura da totalidade da provisão de risco que as operadoras de planos de saúde devem ter e que, normalmente, é calculada conforme art. 7º da RDC nº 77, de 17 de julho de 2001, com ativos garantidores prevista na Resolução RN n° 67, 4 de fevereiro de 2004. A idéia implícita ao programa é a de que com serviços de promoção e prevenção reduz-se o risco dos beneficiários do plano de ficarem doentes, reduzindo-se consequentemente a demanda por procedimentos, o que acarreta em redução de custos e, por isso, na possibilidade de redução da cobertura de provisão de risco exigida.

A RN 94/2005 dispõe em seu artigo 3º que somente serão consideradas aptas a se habilitarem aos programas de promoção à saúde e prevenção de doenças desta Resolução as operadoras de planos de assistência à saúde que cumprirem exigências expressas pela regulação da ANS, tais como envio completo das informações dos seguintes sistemas cadastrais da ANS, estarem
adimplentes com o pagamento da Taxa de Saúde Suplementar – TSS ou outras exigências que a ANS poderá estabelecer, a qualquer momento, como critérios e requisitos mínimos para viabilidade, acompanhamento e aprovação dos respectivos programas. Os programas de promoção à saúde e prevenção de doença deverão ser apresentados à Diretoria de Normas e Habilitação dos Produtos – DIPRO, órgão estratégico para o Conselho Regional de Psicologia em seu intento de inserir o psicólogo na saúde suplementar.

c) A promoção da Saúde e prevenção de riscos e doenças na Saúde Suplementar: linhas de cuidado e fatores de risco. Noções de integralidade na Saúde Suplementar e os campos abertos para a inserção de serviços psicológicos no setor

Como visto, a ANS vem centrando esforços para alterar a lógica que impera no sistema de saúde em geral, incluído a saúde suplementar. Os esforços caminham no sentido de alterar o modelo hegemônico centrado na doença e baseado na demanda espontânea por meio da construção de um novo modelo de atenção integral à saúde, em observância ao princípio da integralidade definido em nossa Constituição Federal. O modelo de atenção integral à saúde prevê a incorporação progressiva de ações de promoção da saúde e prevenção de riscos e doenças ao lado daquelas de recuperação e reabilitação. Como visto, para promover este novo modelo de atenção à saúde nas operadoras de saúde a ANS vem utilizando ferramentas indutoras, entre as quais as previstas no Programa de Promoção da Saúde e Prevenção de Riscos e Doenças, estabelecido pela RN 94/2005.

A ANS espera que, a partir desse programa, as operadoras de planos de saúde passem a ser gestoras do cuidado em todas as fases e em todos os níveis de atenção, além de assumirem a responsabilidade sanitária pelo conjunto de seus beneficiários. Outro escopo do programa é possibilitar que os prestadores de serviços no âmbito dos planos de saúde (médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos, etc.) articulem os diferentes saberes na perspectiva de um cuidado integral das necessidades de saúde dos beneficiários, incorporando ações de promoção e prevenção de saúde em suas atividades rotineiras. Por fim, o programa visa promover a autonomia dos beneficiários de planos de saúde, promovendo a sua consciência sanitária.

A lógica de integralidade prevista pela ANS enfoca, assim, a promoção e a prevenção como ações essenciais para a saúde humana. Segundo a própria ANS, “na saúde suplementar o modelo de atenção hegemônico caracteriza-se pelo enfoque biologicista da saúde-doença-cuidado, desconsiderando seus determinantes sociais, com ações desarticuladas, desintegradas, pouco cuidadoras, centradas na assistência médico-hospitalar especializada e com incorporação acrítica de novas tecnologias, constituindo-se em um modelo caro e pouco eficiente. Soma-se a isso o fato dos planos de saúde poderem ter cobertura segmentada em ambulatorial ou hospitalar (com ou sem obstetrícia), além de planos exclusivamente odontológicos, comprometendo significativamente a integralidade da atenção. Por outro lado, as práticas de promoção da saúde e prevenção de riscos e doenças ainda são utilizadas de forma acessória ou desconsidaradas, com pouquíssimo ou nenhum impacto sobre a saúde dos beneficiários”.

Para reverter esse quadro, a estratégia de ação definida pela ANS é a de incentivar a criação, no âmbito das operadoras de planos de saúde, de programas de promoção da saúde e prevenção de riscos e doenças. Tal estratégia busca inserir no campo da regulação da saúde suplementar novas normas, voltadas a alargar o campo de atuação das operadoras de planos de saúde. Tal cenário é extremamente favorável para que o Conselho de Psicologia estabeleça uma relação institucional com a Agência Nacional de Saúde Suplementar para que os seus dirigentes tomem conhecimento dos enormes benefícios que as atividades desenvolvidas pelos psicólogos podem trazer aos beneficiários dos planos de saúde, seja na área da saúde mental, seja para a promoção da saúde e prevenção de riscos e doenças.

O diálogo a ser realizado com a ANS, para que seja proveitoso, deve levar em conta os esforços que a Autarquia Federal está realizando no sentido da inserção de novos modelos de atenção na saúde suplementar. Assim, convém identificar, no âmbito das atividades desenvolvidas pelos profissionais de psicologia, quais são aquelas que podem ser desenvolvidas para a promoção da saúde e prevenção de riscos e doenças. Essa identificação pode ser desenvolvida a partir dos critérios gerais abordados pela ANS: fatores de risco e linhas de cuidado.

Fatores de risco

A ANS trabalha a promoção da saúde e a prevenção de riscos, preliminarmente, a partir do pressuposto de que deve-se dar atenção às ações voltadas à redução dos riscos à saúde. Os riscos expressamente mencionados pela ANS são: alimentação inadequada, obesidade, sedentarismo, consumo de álcool e tabagismo. São inegáveis os benefícios que a atividade desenvolvida pelo profissional de psicologia pode trazer para a redução dos fatores de risco à saúde. O Núcleo de Saúde Suplementar do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo tem realizado discussões e eventos para identificar quais seriam as atividades possíveis que poderiam ser inseridas no âmbito dos planos de saúde para reduzir a exposição das pessoas aos fatores de risco à saúde. Foram identificadas diversas atividades que podem ser desenvolvidas pelos profissionais de psicologia e que seguramente, dentro de uma perspectiva de integralidade da atenção à saúde, devem ser inseridos como serviços obrigatórios e essenciais à saúde suplementar no Brasil.

As contribuições da psicologia para o tratamento de distúrbios alimentares são essenciais para a proteção da saúde no que se refere à redução dos fatores de risco existentes na sociedade. A psicologia é capaz de auxiliar os pacientes na superação dos seus eventuais problemas psicológicos que servem de causa a distúrbios cada vez mais comuns na sociedade moderna, como a
obesidade, a anorexia, a bulimia, entre outros. Também no que se refere ao sedentarismo, alcoolismo e tabagismo, existem diversas experiências de sucesso que comprovam os benefícios que a psicologia pode trazer para a redução desses fatores de risco.

Fica claro portanto que a inserção da psicologia no setor da saúde suplementar, mais do que uma simples questão de ampliação de mercado de trabalho, trata-se de um elemento fundamental para a proteção integral da saúde da população. Reduzir riscos de agravos e doenças e promover a saúde da pessoa humana é uma das atividades centrais do psicólogo, sendo natural, portanto, que seus serviços integrem o chamado plano-referência oferecido pelas operadoras de planos de saúde.


Linhas de cuidado

Outro enfoque dado pela ANS para a inserção, no âmbito da saúde suplementar, de ações de promoção da saúde e prevenção de riscos e doenças, passa pela compreensão de que o cuidado é uma característica essencial do ser humano e de que as relações de cuidado devem ocorrer na perspectiva sujeito-sujeito e não na perspectiva sujeito-objeto. Segundo Boff (1999), as ações de cuidado devem encarar a saúde como “um processo permanente de busca de equilíbrio dinâmico de todos os fatores que compõem a vida humana”. Devem ainda contribuir para que as pessoas, de maneira autônoma e utilizando suas próprias ferramentas, possam passar pelas situações que implicam no adoecer da maneira mais saudável possível, buscando ampliar sua qualidade de vida de acordo com a condição de saúde ou doença que apresentem.

Dentro dessa perspectiva a ANS define as linhas de cuidado da seguinte forma: “modelos de atenção matriciais que integram ações de promoção, vigilância, prevenção e assistência, voltadas para as especificidades de grupos ou necessidades individuais, permitindo não só a condução oportuna dos pacientes pelas diversas possibilidades de diagnóstico e terapêutica, como também uma visão global das condições de vida”.
Para organizar a atenção à saúde, as linhas de cuidado podem ser divididas e organizadas por vários critérios, tais como:
• Por fases da vida: da criança (recém-nato, infância, pré-escolar, escolar e adolescente), da Mulher (gestante, adulta, menopausa) e do idoso;
• Por agravos: doenças respiratórias, hipertensão, HIV/AIDS, cânceres, diabetes, etc.
• Por especificidades: saúde bucal, saúde mental, saúde do trabalhador, etc.

A atual regulação da ANS não delimita qual a abordagem exata a ser implementada pelas operadoras de saúde na promoção da saúde e prevenção de riscos e doenças, mesmo porque, como visto, a atual regulação é apenas indutiva, não se consistindo em obrigatoriedade para as operadoras. Em seu Manual Técnico, a ANS sugere as seguintes linhas de cuidado, dando a entender que
optaram por uma classificação híbrida, por fases da vida e por especificidades: Saúde da Criança e do Adolescente; Saúde do Adulto e do Idoso; Saúde da Mulher; Saúde Mental e Saúde Bucal. Considerando-se a importância que a Agência reguladora da saúde suplementar vem dando ao tema, bem como a lógica regulatória do setor, alguns caminhos mostram-se possíveis para que a psicologia passe a integrar, de forma crescente, as atividades de saúde prestadas no âmbito da saúde suplementar no Brasil.