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Nota de esclarecimento do CRP SP às declarações do Padre Marcelo Rossi sobre saúde e Psicologia


Publicado em: 18 de novembro de 2015
Créditos: CRP SP
Fotos: CRP SP

Considerando o que no conjunto das políticas públicas em saúde no Brasil, a Psicologia seja uma das catorze profissões regulamentadas, cujos saberes de âmbito científico encontram-se reconhecidos, pela ciência, pela sociedade, e pelo estado a partir de determinações emanadas do ministério da saúde, bem como de organismos internacionais, tais como a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS);   Considerando que a Psicologia, ao ser regulamentada, assumiu um compromisso social com a sociedade brasileira, por meio de um código de conduta, fundamentado numa construção de responsabilidade, materializada no código de ética profissional dos psicólogos;   Considerando que nos princípios éticos desse código, a Psicologia brasileira seja pautada pelo respeito irrestrito aos direitos humanos, e que, desta forma estão seus profissionais obrigados a:  a) analisar criticamente a realidade em sua abrangência; b) contribuir para o desenvolvimento da Psicologia, rejeitando situações em que a profissão seja aviltada; c) contribuir para a universalização do acesso da população às informações, ao conhecimento da ciência psicológica e aos seus padrões éticos, e que para isso, d) analisar as relações de poder nos diferentes contextos sociais;   Considerando que, no conjunto das orientações que emanam do Sistema Conselhos de Psicologia, em 2013, foi publicada a nota técnica Psicologia, Religião e Espiritualidade, onde se reconhece: a) a laicidade, isto é, o respeito a todas as formas de crenças e a separação nas esferas de governo e de produção de conhecimentos científicos, ou, a total neutralidade do estado e da ciência em relação à religião; b) que apesar dessa separação existe, historicamente, a interferência da religião nas coisas do estado; c) que a sociedade brasileira é extremamente religiosa sendo fundamental o respeito a essa característica, pois é componente estruturante do tecido cultural e da formação da subjetiva do povo; d) que existe uma interface dos conhecimentos científicos da Psicologia com os da religião, visto que ambas transitam num campo comum, qual seja, o da produção de subjetividades; e) que embora transitem num campo comum, toda cautela deve ser tomada pela psicologia para que seus conhecimentos, fundamentados na laicidade da ciência, não se confundam com os conhecimentos dogmáticos da religião; e) que qualquer tentativa de imposição de dogma religioso no campo de atuação profissional da Psicologia será repudiada, não poupando esforços para garantir o estado de direito;   Considerando, por último, o posicionamento que o senhor Marcelo Mendonça Rossi, religioso católico, conhecido notoriamente como Padre Marcelo, assumiu no tocante às profissões de saúde, em particular à Psicologia, nos programas De frente com Gabi, da apresentadora Marília Gabriela, veiculado pelo SBT e Momento de Fé, de 11 de novembro de 2015, veiculado pela Rádio Globo;    O Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP SP) vem a público orientar a população diante das declarações do referido religioso, apresentando igualmente sua indignação em relação às mesmas, por entender que se trata de interferência grave no campo da saúde pública, por parte de comunicador de expressivo alcance social, podendo, desta forma, colocar a população, no caso seus fiéis, em grave risco de saúde;   Desta forma, esclarecemos no tocante à saúde mental que:   a) A depressão é uma grave condição de saúde, que deve ser abordada de forma multi e transdisciplinar. Desta forma, a pessoa com depressão deve ser considerada em sua integralidade, reconhecendo-se as dimensões psíquicas, biológicas e espirituais que possam estar relacionadas ao sofrimento psíquico. No que diz respeito às condições bio-psicológicas, há uma compreensão de que abordagens terapêuticas não medicamentosas, como aquelas praticadas no âmbito da Psicologia, devem ser contempladas em contraposição ao uso exclusivo de medicamentos, dados os inúmeros efeitos colaterais que tais substâncias podem apresentar e consideradas as necessidades de compreensão dos aspectos psicológicos relacionados à situação de sofrimento experienciada. Assim, as práticas em saúde de caráter multiprofisisonal, nas quais psicólogas(os), psiquiatras e outros profissionais da saúde atuam conjuntamente, têm se mostrado exitosas. Além disso, os estudos científicos demonstram que o enfrentamento desse tipo de adversidade pode ter um importante aliado no suporte pessoal de crenças, dentre elas as religiosas. Vale destacar neste quesito que o referido senhor afirmou que considerava a depressão “uma frescura”, só passando a considerar a gravidade do quadro quando ele próprio se viu assolado por esta condição. Assim, advertimos a população de que basear o enfrentamento da depressão exclusivamente nas crenças religiosas pode constituir grave risco à saúde. As crenças religiosas podem e devem ser consideradas, mas é fundamental a orientação de profissionais de saúde.   b) A suposta subordinação que o religioso atribuiu de forma pejorativa a diferentes profissionais da saúde, dentre eles as/os psicólogas/os, colocando-os à serviço da medicina, demonstra grave equívoco, pois está baseada exclusivamente no senso comum, visto ser lastreada em sua convicção pessoal, desconsiderando, portanto, os importantes avanços históricos que tiveram lugar nas ciências e nas profissões da saúde, as quais se materializam nas regulamentações profissionais e nas diferentes políticas públicas vigentes no estado brasileiro. Neste quesito, constatamos com tristeza a comparação equivocada que o religioso faz de sua prática de aconselhamento pastoral baseada nos dogmas da fé, com as práticas profissionais de psicólogas/os baseadas no conhecimento científico. Trata-se, portanto, de interferência de religioso não qualificado profissionalmente no âmbito das práticas psicológicas, transmitindo à população visão equivocada da atuação profissional da Psicologia, que é desqualificada em suas declarações, fato que merece nosso repúdio.