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CRP-SP realiza rodas de conversa com alunos de escolas ocupadas em bairros da periferia de São Paulo


Publicado em: 10 de dezembro de 2015
Créditos: CRP SP
Fotos: CRP SP

“Eles falaram: ‘Essa escola é do Governo’. Daí nós olhamos em volta e vimos:  aqui não tem governador, tem aluno. A escola é nossa!”   Aluno da escola E.E. Jardim Wilma Flor, Cidade Tiradentes - São Paulo   Nas últimas semanas, o Conselho Regional de Psicologia (CRP SP) vem acompanhando as mobilizações que tiveram como estopim a desastrosa proposta de reorganização escolar do governo do Estado. Foram realizadas duas rodas de conversas com estudantes de escolas ocupadas, como parte da campanha “Brincar pra valer, valer pra brincar” em comemoração aos 25 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).   No dia 24 de novembro, a roda foi na E.E Pedro Fonseca (conhecida como Pedrão), no Jd. Monte Kemel. O tema do debate era a redução da maioridade penal, mas a partir da inquietação inicial dos estudantes de que a escola se parecia com um presídio, discutiu-se como a reorganização escolar é apenas um elemento de uma política que investe cada vez menos na educação e mais em mecanismos de controle e de encarceramento das populações pobres e periféricas. Os estudantes apontaram a violência policial contra adolescentes e jovens naquela região como uma das formas mais visíveis da presença desta política de controle e aniquilamento.   Os adolescentes também contaram como ocupar a escola e praticar uma autogestão sem a presença do corpo docente ou da diretoria era o maior aprendizado que estavam tendo. E quem estava ensinando, desta vez, eram eles próprios, no cuidado com a escola, nas mediações de conflitos e tomadas de decisões coletivas em assembleia.   Roda de conversa no Jardim Wilma Flor No domingo dia 6 de dezembro, a atividade foi na escola E.E Jardim Wilma Flor, na Cidade Tiradentes, extremo leste da cidade de São Paulo. A roda de conversa foi sobre educação, juventude e participação política. Participaram estudantes da escola, um professor, representantes do CRP SP, oficineiros e educadores apoiadores da ocupação. Conduzida pelos próprios estudantes, a roda de conversa girou em torno da experiência de ocupação das escolas contra a reestruturação de ensino que está tentando ser imposta pelo atual governo do Estado de São Paulo. Na ocasião, vários outros foram tratados: a “escola-presídio”, diferenças entre escolas do centro e da periferia, formação de grêmio estudantil e mobilização de estudantes, diversidade sexual e religiosa, convivência com a comunidade e auto-organização política.   A Jardim Wilma Flor é a única escola ocupada da Diretoria de Ensino Leste 3.  Sua localização a retira do radar da mídia e também a deixa menos visível do que as escolas ocupadas em regiões mais centrais, que vêm recebendo maior apoio. Ali, o apoio é realizado por uma pequena fração de professores que estão acompanhando de perto e auxiliando os alunos, além de familiares dos estudantes. A negociação com a polícia do bairro, a comunicação com a comunidade, a gestão do espaço (segurança, limpeza, alimentação, oficinas, lazer, auto-organização interna e participação no movimento das escolas ocupadas) são realizadas pelos estudantes. Apesar da distância, eles enviam representantes para as atividades do movimento das ocupações e, especialmente no comando da ocupação, onde os rumos da luta são debatidos e as decisões são tomadas em coletivo, sem lideranças. Como define uma das estudantes, “somos diferentes escolas, mas ao mesmo tempo, somos uma só”.   Os relatos da experiência de ocupar e apropriar-se da escola impressionam. Os estudantes que estão há três semanas ocupando, cuidando, e vivendo no espaço da escola, já anunciam a potência transformadora da autogestão e da construção coletiva. Cada um foi criando um espaço para si e tornaram-se uma “família”. Relatam, sorridentes e animados: “Desde que isso começou que eu não consigo mais ficar em casa, só quero estar aqui”.  “Vim dar uma aula de skate e nunca mais saí”, “A vontade que eu tenho é trazer meu guarda roupa e mudar de vez pra cá”. Todos concordam: “não dá para acreditar que isso está acontecendo!”.   Os estudantes criticam, contundentemente, a organização imposta pela escola, apontada como extremamente autoritária e que não oferece condições minimamente adequadas para uma construção coletiva do saber e do cotidiano da produção de ensino. “Temos hora até para ir ao banheiro, depois de um determinado horário, todas as portas das salas são trancadas. A escola parece uma prisão!”.   A empolgação e engajamento dos estudantes de Wilma Flor é contagiante. Na afirmação de que “a escola nunca mais vai ser igual”, utopias de escola vão sendo formuladas: “De agora em diante a escola vai deixar de ser a escola do engravatado para ser a escola do hip hop, do teatro, do reggae, do maloqueiro”, “esse é só o começo de uma mudança muito maior que nós vamos fazer”, “essa (escola ocupada) é a escola que todos querem. É a nossa escola!”.    Diante da pergunta sobre o futuro da ocupação, a estudante rapidamente replica: “nós não estamos apenas protestando contra a reorganização, queremos pensar sobre a educação e sobre cada vez mais outras demandas. Nossa pauta é infinita!”   Ao serem questionados em como eles acham que a Psicologia poderia ajudar, a resposta foi: “Fazendo isso que vocês já estão fazendo. Em três semanas é a segunda vez que estamos parando pra contar o que está acontecendo com a gente, é muito importante pra gente fazer isso.” “Continuem nos apoiando e vindo aqui, isso pra gente é muito importante”.   Ficou evidente a insatisfação aguda dos estudantes com o modelo da escola atual e a sua potência para pensar em outras praticas escolares e políticas. Para além da recusa à reorganização escolar, há um conjunto de ideias e propostas bem elaboradas que questiona todas as dimensões da instituição e que desconstrói por completo a “escola dos engravatados”.    Em contraposição a escola como presídio, o que os alunos das ocupações que se proliferam pelo Estado de São Paulo exigem é uma escola que seja extensão da sua comunidade, da sua casa e que atenda às expectativas de seus alunos que querem efetivamente participar da construção de sua própria educação. E é isso que estão efetivamente ensinando aos pais, educadores e à sociedade de forma geral.   Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP SP)