Notícias


CRP SP repudia o decreto que institui a “Política Nacional de Educação Especial”


Publicado em: 5 de outubro de 2020

O Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, no uso de suas atribuições legais e regimentais, manifesta sua indignação, desacordo e repúdio ao Decreto Nº 10.502, de 30 de setembro de 2020, que institui a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida, por considerá-lo capacitista e contrário ao modelo social pautado na inclusão das pessoas com deficiência e por possibilitar retrocessos aos direitos já garantidos em âmbito legislativo e constitucional. 

O referido Decreto fere a Constituição Federal em seu artigo 205, que prevê no direito à matrícula das pessoas com deficiência nas salas comuns do ensino regular, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, que no Brasil tem caráter constitucional por meio de emenda promulgada através do Decreto Legislativo Nº 186, de 9 de julho de 2008, e promulgada em 25 de agosto de 2009, através do Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009 e a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) ou Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015). 

Tanto a Convenção quanto a Lei Brasileira de Inclusão buscam superar o estigma do modelo biomédico. Já o Decreto citado retoma o modelo histórico de exclusão, segregação e integração, principalmente quando classifica as pessoas com deficiência como “os que não se beneficiam da escola regular”, separando os que devem e os que não devem frequentar o ensino regular, barrando o acesso compulsório e ferindo o direito à educação equitativa e inclusiva.

O CRP SP entende que o referido Decreto, que intenciona instaurar uma política nacional na esfera da educação, pode levar a/o profissional da Psicologia a ferir o Código de Ética Profissional da/o Psicóloga/o, art. 2 alínea a) "Ao psicólogo é vedado praticar ou ser conivente com quaisquer atos que caracterizem negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão."

Destacamos que o Decreto também é incongruente com o que preconiza a nota técnica do CRP SP lançada em abril de 2019, “Orientação sobre a atuação das(os) psicólogas(os) no atendimento de pessoas com deficiência”, a qual orienta que “as(os) psicóloga(os), em seu trabalho, devem visar à garantia dos direitos das pessoas com deficiência, de modo a romper com práticas do isolamento, seja em ambientes segregados dentro de instituições comuns, seja em instituições exclusivas, ou mesmo na própria família". Ainda cabe as/aos psicólogas/os promover acessibilidade e apoios necessários para a efetivação da participação plena, liberdade de escolha e de expressão das pessoas com deficiência, valendo-se de seus direitos de cidadã/ão.

O resgate da concepção biomédica e do poder do especialista, presente na “nova política”, sobrepõe-se aos saberes escolares e da educação. Reduz o fazer profissional à agente de “avaliação” do “melhor lugar” para a escolarização dos educandos com deficiência, desconsiderando avanços teóricos e técnicos da Psicologia Escolar e Educacional e demais campos de conhecimento e da ciência da Psicologia que, há décadas, superaram a lógica classificatória e nosográfica que contribui para produção de exclusão e de lógicas patologizantes e medicalizantes.

O CRP SP reafirma seu compromisso ético de que “o psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos”, e ressalta que é vedado a/ao profissional “ser conveniente com erros, faltas éticas, violação de direitos, crimes ou contravenções penais praticadas por psicólogos na prestação de serviços profissionais” conforme estabelece o Código de Ética Profissional da/o Psicóloga/o.

Repudiamos ainda o fato de o Decreto supostamente atribuir liberdade de escolha às famílias quanto ao processo de escolarização de suas/seus filhas/os. Atribuir a liberdade de escolha à família não leva em consideração as desigualdades inerentes nesse processo de decisão, uma vez que revitimiza as famílias que sofrem com a injustiça econômica e social e as tornam mais vulnerabilizadas, inclusive diante do poder escolar e de especialistas de criarem vias de recusa de acesso e permanência à escola regular, quanto a escolarização de pessoas com deficiência. 

Compreendemos que o Decreto retira a obrigatoriedade das instituições escolares a prestarem orientação e apoio às famílias e as/aos educandas/os e de trabalharem para a eliminação das barreiras dentro do ambiente escolar e sistemas de ensino, aumentando a responsabilização e culpabilização destes.

O decreto também corresponde a um retrocesso na conquista da recente Lei Nº 13.935/2019, que “dispõe sobre a prestação de serviços de Psicologia e de Serviço Social nas redes públicas de educação básica”, haja vista que que muitas/os profissionais psicólogas/os inseridas/os na rede regular de ensino atuariam (e atuam) na promoção da melhoria da qualidade do processo de escolarização de todas as/os educandos/as, alicerçada no paradigma da Educação Inclusiva e no Modelo Social da Deficiência, integradas ao sistema educativo e à comunidade escolar, de forma permanente e colaborativa, assumindo caráter coletivo da promoção de aprendizagem e exercício de cidadania.

O CRP SP que, historicamente, tem se colocado na luta pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e, sobretudo nesta gestão do XVI Plenário, está unindo esforços com as/os psicólogas/os com e sem deficiência, com a sociedade, entidades e movimentos sociais, além de órgãos de controle social, e se empenhará em ações que visem a pressionar as/os governantes à revisão ou revogação deste Decreto que avilta a Política de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI, 2008). Assim reafirmando que todos os esforços e empenhos devem se centrar na promoção de uma educação de qualidade social, equitativa, laica, integral e humanizada na perspectiva inclusiva para todas/os as/os educandas/os.

Cabe aos governos os investimentos na consolidação da Educação Inclusiva, na acessibilidade, na qualificação e na remuneração das/os professoras/es e demais atores da política educacional para se fazer valer os direitos humanos fundamentais. 

Por fim, o CRP SP entende que o Decreto 10.502 de 30 de setembro de 2020 em vigência, desconstrói todas as Leis e Convenções, nacionais e internacionais, democraticamente construídas ao longo dos últimos 30 anos e assegura que nos manteremos contrários e combativos até sua revisão ou revogação.

A Psicologia é para todo mundo e se faz com Direitos Humanos.