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CRP SP, COPEN e SAP promovem encontro sobre aplicação da Lei Antimanicomial nos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico


Publicado em: 27 de outubro de 2023

Palestrantes de diferentes áreas debatem o fechamento dos manicômios judiciários paulistas

Sete meses. Esse é o período que resta para que os manicômios judiciários tenham um fim no país. De acordo com a Resolução do Conselho Nacional de Justiça nº 487/2023, é o prazo dado para "a interdição total e o fechamento dessas instituições". A medida tem origem na interpretação da Lei Federal nº 10.216/2001, uma conquista histórica dentro da Reforma Psiquiátrica. 

Atualmente, existem 32 Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP) no Brasil, sendo três deles no estado de São Paulo. São mais de 900 pessoas internadas em território paulista por decisão judicial, em locais destinados à institucionalização de pessoas com transtorno mental em conflito com a lei. 

Diante dos desafios para conseguir efetivar as determinações, que demandam diálogo e trabalho conjunto, o CRP SP articulou um amplo debate com encaminhamentos para pensar em possíveis caminhos para a efetivação da Resolução CNJ nº 487/2023. Por meio do Conselho Penitenciário de São Paulo (COPEN) e em parceria com a Secretaria da Administrativa Penitenciária (SAP), realizou o Encontro Multidisciplinar sobre Aplicação da Lei Antimanicomial nos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, nos dias 25, 26 e 27 de outubro de 2023 no auditório da SAP, no Centro da cidade de São Paulo. Além de integrantes das instituições organizadoras, participaram das mesas representantes da Defensora Pública do Estado de São Paulo, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), do Ministério da Saúde, da Secretaria Estadual da Saúde, das Secretarias municipais de Saúde, da ONG Desinstitute e ativistas da Luta Antimanicomial. O encontro voltou-se aos desafios do trabalho conjunto e a necessidade de diálogo para efetivação da resolução, que resulte em um Plano Nacional de Desinstitucionalização.

Com uma programação de palestras e debates pela manhã e grupos de trabalho à tarde, as pessoas participantes acompanharam o histórico e a situação atual dos manicômios judiciários paulistas e conheceram detalhes sobre o marco legal da política antimanicomial e seus avanços jurídico-processuais. Também foram apresentados os atendimentos disponíveis na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), com destaque para as mudanças necessárias no Sistema Único de Saúde (SUS) para garantir o aumento dos Serviços Residenciais Terapêuticos e dos acolhimentos não hospitalares das pessoas em sofrimento mental.

A conselheira secretária do CRP SP, psicóloga Marta Eliane de Lima (CRP 06/94890), falou sobre a complexidade da aplicação da Resolução. Ao ser questionada sobre uma possível "solução", argumentou que não existe um caminho único no processo de desinstitucionalização de pessoas. "Não acredito, enquanto psicóloga e representante do meu conselho de classe, que haja uma fórmula fechada. O que temos são estudos, articulações, boa vontade, parceria e engajamento", afirmou. 

A conselheira destacou também que a perspectiva do cuidado em liberdade surge de análises e observações desenvolvidas não só por integrantes da Psicologia, mas também da área médica e jurídica. "Não estamos numa disputa de qual forma vai vencer, mas sim numa articulação de qual o melhor encaminhamento para a situação", pondera. "Diz respeito sobre cidadania e privação de qualidade de vida. Cada pessoa tem uma história, com condições e contextos sociais específicos, por isso é difícil generalizar e colocar tudo numa esfera coletiva". 

Na avaliação de Lúcio Costa, diretor executivo do Desinstitute, hoje há uma deturpação por parte do Judiciário que recorre à ideia de internação compulsória. "Está na Constituição: saúde é um direito de todas as pessoas e um dever do Estado, não o contrário. Ninguém é obrigada ou obrigado a se tratar de um câncer ou do uso de crack se não tiver vontade", explica. O psicólogo lembrou que têm surgido novas leituras da legislação graças à atuação dos movimentos sociais organizados, que vêm pautando o tema dentro do sistema de justiça e conseguido outros desfechos.

Mesmo que tenha algumas semelhanças com as metodologias aplicadas na desinstitucionalização de um manicômio convencional, existem perspectivas diferentes nesse processo, por envolver a esfera jurídica. É o que defende Marden Marques Soares Filho, psicólogo e assessor técnico do Departamento de Saúde Mental do Ministério da Saúde. 

"É fundamental que tenha no estado de São Paulo o Comitê Interinstitucional de Implementação e Monitoramento da Política Antimanicomial do Poder Judiciário, previsto para novembro, para desenvolver uma metodologia própria de aplicação. E que tenha equipes de conexão, mapeamento de rede, mapeamento dos moradores dos HCTPs e o redirecionamento deles para a rede de atenção à saúde mental ou da assistência social, entendendo que o cuidado é em liberdade."

Outra fala de destaque durante os três dias de evento foi de Mario Moro, ativista da Luta Antimanicomial, fotógrafo e usuário do CAPS em Santo André. Ao contar sua experiência de internação em hospitais psiquiátricos, falou sobre as violências sofridas, e chamou atenção para a ausência de pessoas usuárias nessas discussões, bem como integrantes de movimentos sociais. 

A psicóloga Ione Aparecida Xavier (CRP 06/27445), conselheira presidenta da Comissão de Direitos Humanos do CRP SP, também falou sobre a importância do trabalho em conjunto e da participação multidisciplinar ao longo dessas ações, para garantir efetividade e o cumprimento de direitos. "Abrange desde a decisão do juiz até a rede básica de saúde, para que a gente consiga tratar essas pessoas de uma forma mais humanizada." 

Ao encerrar o evento, Ione retomou todos os encaminhamentos realizados nos três dias de atividades e destacou um específico, trazido pelo presidente do COPEN, Breno Montanari Ramos, de promover um Fórum em 2024 para seguir com o acompanhamento multidisciplinar do tema junto aos HCTPs.

 

#ParaTodosVerem
Foto 1 – Fotografia de um homem e uma mulher no encontro. A mulher tem cabelos curtos, pretos, usa óculos e fala ao microfone. O Homem tem cabelos brancos, barba, usa óculos e segura uma caneta. Ambos usam roupas brancas. Na margem inferior, grafismos na cor azul e branca, e desenho de dois passarinhos. Letreiro: “Encontro Multidisciplinar Lei Antimanicomial nos Hospitais de Custódia”. Na margem inferior direita, logo do CRP SP.
Foto 2 – Fotografia dos participantes do encontro no auditório. A maioria está em pé, e duas mulheres estão sentadas no chão, a maioria sorri e todos olham para a câmera. Ao fundo tela de projeção com um slide. Na margem inferior, logo do CRP SP.
Foto 3 – Fotografia da Conselheira Ione falando no microfone no encontro. No lado direito dela estão sentados um homem e uma mulher que a observam atentamente. Ao fundo tela de projeção com um slide. Na margem inferior, logo do CRP SP.
Foto 4 – Fotografia de um homem falando no microfone no encontro. Ele tem cabelos curtos e pretos, usa óculos, veste uma camisa social preta e está sentado. Ao fundo tela de projeção com um slide. Na margem inferior, logo do CRP SP.
Foto 5 – Fotografia dos participantes do encontro. Todos estão sentados nas cadeiras do auditório. Uma mulher ruiva, com óculos, vestido azul e casaco preto fala ao microfone e os outros a observam. Na margem inferior, logo do CRP SP.
Foto 6 – Fotografia dos participantes do encontro. Todos estão em pé e sorriem para a câmera. Um homem no meio segura uma placa. Ao fundo tela de projeção com um slide. Letreiro: “Trancar não é tratar”. Na margem inferior, logo do CRP SP.
Foto 7 – Fotografia dos participantes do encontro. Todos estão sentados nas cadeiras do auditório em roda. Uma mulher de cabelos curtos e pretos, usa óculos, segura um notebook no colo e fala ao microfone, os outros a observam. Na margem inferior, logo do CRP SP.
Foto 8 – Fotografia de um homem falando no microfone no encontro. Ele tem a barba branca, usa boina, óculos e camisa social rosa claro. No seu lado direito tem uma mulher que o observa atentamente, e no lado esquerdo um homem que escreve algo. Na frente da mesa tem cartazes com frases sobre a Luta Antimanicomial. Ao fundo tela de projeção com um slide. Na margem inferior, logo do CRP SP.
Foto 9 – Fotografia das participantes do encontro. Todas estão em pé e sorriem para a câmera. Na margem inferior, logo do CRP SP.