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ECA 32 ANOS


Publicado em: 13 de julho de 2022

Há 32 anos reconhecidas/os pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei n.º 8.069/90) como sujeitos de direitos, crianças e adolescentes ainda não tiveram acesso à garantia das condições de vida preconizadas pelo próprio ECA.

Em junho de 2022, mês que antecede o aniversário do ECA, foi visibilizada uma cena entre uma criança de 11 anos, grávida, em pleito pelo direito ao aborto, e uma juíza incapaz de escutar a realidade da criança e garantir-lhe proteção, seu dever enquanto representante do Estado.

Muitas foram as manifestações da sociedade, das entidades, associações, personalidades públicas, partidos políticos, movimentos sociais que, em defesa dos direitos à proteção da menina de 11 anos, posicionam princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente e repudiam a moralizante conduta revitimizadora no sistema de Justiça que, ao imprimir à criança o acirramento de seu sofrimento, a separando de sua família e negando seu direito à voz e à proteção, reproduz o isolamento e o silenciamento, usando o sistema de Justiça para invisibilizar a realidade e negligenciar o dever do Estado.

Ao conhecermos tal situação entre o sistema de Justiça e a sociedade civil, tornam-se novamente visíveis os desafios que crianças, adolescentes e adultas/os vivem há 32 anos ao defenderem a lei promulgada em 1990, que afirma que crianças e adolescentes são titulares de seus próprios direitos, partícipes das decisões que tocam suas vidas e prioridades absolutas no atendimento de suas necessidades.

Assim, vale retomar que o Estatuto da Criança e do Adolescente se coloca em defesa do compromisso essencial do Estado e de toda a comunidade com a Doutrina da Proteção Integral de crianças e adolescentes.

O acirramento das violações de direitos e a negligência do ECA incidem no corte orçamentário, no retorno ao menorismo, na redução de crianças e adolescentes a objetos incapazes, periculosos e invisibilizados em suas realidades. Conforme são tratadas/os, neste mesmo mês, pelo Ministério da Saúde no documento-guia intitulado “Atenção Técnica para Prevenção, Avaliação e Conduta nos Casos de Abortamento”, o qual, na manifestação de entidades da sociedade civil, cumpre a finalidade de impor “obstáculos à concretização do direito à saúde de mulheres, meninas e pessoas que gestam” ao “divulgar informações incorretas, irresponsáveis e tendenciosas, que terão como resultado o receio das/os profissionais e o desestímulo de práticas de atenção à saúde sexual e reprodutiva fundamentadas por lei e incentivadas por políticas públicas sérias”.

Assim vimos uma juíza sobrepor-se aos princípios que regem o ECA, à Declaração Universal dos Direitos das Crianças e Adolescentes, à Constituição Federal e à Declaração Universal dos Direitos Humanos. Essa cena compõe o acirramento da inviabilização das desigualdades sociais e dos impactos que a violação de direitos, hoje, imprime ao cotidiano das pessoas pobres, pretas e mulheres.

O atual desmonte dos pactos civilizatórios e democráticos se evidencia pelas políticas de apagamento de dados, corte orçamentário, ausência de avaliação das Políticas Públicas, precarização da estrutura das políticas que devem organizar-se intersetorialmente no Sistema de Garantia de Direitos das Crianças e dos Adolescentes que, entre outras estratégias de invisibilização da realidade, incidem na retirada de direitos e desresponsabilização do Estado, que historicamente assim produz a criminalização e a patologização das crianças e populações pobres e a negação do direito à voz e proteção, retirando-lhes o direito a ter direitos.

Estatisticamente, crianças e adolescentes são as maiores vítimas de violência. O ECA deve ser instrumento de intervenção para garantia do direito à vida, à saúde, ao desenvolvimento, à proteção integral. A desigualdade social precisa ser considerada para que possamos fortalecer esses enfrentamentos. O racismo estrutural precisa estar presente em nossos debates para que estes grupos que tiveram historicamente seus direitos aviltados sejam incluídos em suas especificidades. O recorte de gênero, junto à raça e à classe, compõe a maior incidência de violações de direitos na sociedade brasileira.

A situação atual é de muita dificuldade de garantia e acesso às Políticas Públicas na perspectiva da proteção integral. Junto a Conselhos de direitos, órgãos de proteção social, conselhos profissionais, movimentos de lutas por direitos, fóruns, grupos de pesquisa, comitês de enfrentamento da violência sexual e a partir do lugar daquela/e que contribui para espaços de promoção de saúde mediante realidades que produzem sofrimentos e aniquilam subjetividades e diversidades, a/o psicóloga/o deve se comprometer com a supressão de ideologias que reproduzem sistemas de exclusão, como lógicas menoristas e adultocentradas, contribuindo, desta forma, para a autonomia e força coletiva de crianças e adolescentes incidentes na participação e controle social nas e das ações do Estado naquilo que às suas vidas se refere. 

Em nome da proteção, temos vivido retrocessos políticos, sociais e éticos. Assim, nesta comemoração dos 32 anos do ECA, viemos reforçar o compromisso ético-político do nosso fazer profissional junto às infâncias e adolescências: pela participação política e democrática em nossas relações, pelos Direitos Humanos e pela ética nas Políticas Públicas para crianças e adolescentes!

#PraTodosVerem: Card quadrado. Fundo nas cores amarela e laranja escuro. Em primeiro plano, círculo com foto de 4 crianças sorrindo. Há três meninas, duas brancas e uma negra, e um menino negro. Estudantes estão uniformizados, dentro de uma sala de aula. Na parte inferior, faixa amarela com o logo do CRP SP. (fim da descrição)