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CRP SP espalha mensagens sobre cuidado em liberdade no Centro de São Paulo, no Dia da Luta Antimanicomial


Publicado em: 19 de maio de 2022

Ontem, 18 de Maio, Dia Nacional da Luta Antimanicomial, após o ato Democracia Antimanicomial, que tomou a Avenida Paulista, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo ativou as projeções #PorUmSUSAntimanicomial na fachada de um prédio em uma bifurcação no Largo do Arouche, centro da cidade. Local de circulação de carros e pessoas, quem passava por lá foi impactada/o pelas frases da campanha em defesa do cuidado em liberdade e da garantia de direitos a quem está em sofrimento psíquico.

Além do mote da ação, “Saúde Mental se faz com o povo! Por um SUS antimanicomial!”, foram projetadas as frases “Melhor ser um loko na boa do que um normal asfixiado” (Felina, cantora); “Psicologia e saúde mental para todo mundo dependem do SUS”; “Em luta por uma saúde mental democrática e popular”; “Nos manicômios, a violência não é exceção: É a regra!”; “Cuidado é direito, liberdade e respeito”; “Trancar não é tratar! Por um cuidado em liberade”; “Saúde mental não se faz só. Por um cuidado em rede e no território”; “A mão de quem cuida também luta”; “Manicômios, nunca mais”; “Cuidado em liberdade, não em manicômios”; “Saúde mental também é um compromisso cultural”; “Saúde mental precisa ser antirracista”; “Saúde mental precisa ser antimanicomial” e “Um dia eu simplesmente apareci (Arthur Bispo do Rosário, artista plástico e interno do manicômio Juliano Moreira).

O ativista antimanicomial, usuário de serviço de saúde e colaborador do CRP SP Carlão, falecido em 2020, ganhou destaque em duas fotografias suas projetadas no prédio, acompanhadas dos dizeres: “Carlão, presente! Usuário e militante antimanicomial”.

A ativação teve início às 19h, mobilizando psicólogas/os, profissionais da saúde, estudantes, educadoras/es, representantes de movimentos sociais, imprensa e também curiosas/os, que olhavam para o topo do prédio. Uma roda de conversa formou-se na esquina da bifurcação, abaixo das projeções. O termômetro indicava nove graus, com sensação térmica de três. As trocas, contudo, aqueciam o momento.

A roda de conversa teve início com a psicóloga (CRP 06/ 66501) e conselheira do CRP SP Luciane de Almeida Jabur reforçando a importância do encontro e do debate sobre a saúde mental entendida também a partir da garantia de acesso a direitos básicos por parte da população: “Falta de moradia, de acesso à saúde, à educação, à cultura, também produz sofrimento e adoece”, pontuou. 

A jornalista Rebeca Motta compartilhou sua experiência de entrar em contato com a pauta antimanicomial mais recentemente e ter se surpreendido com as muitas camadas envolvidas na questão e com a atuação dos conselhos de saúde: “É um assunto que ainda está afastado de um senso comum”, observou, apontando a necessidade de esforços para se levar o tema de modo aprofundado à sociedade.

O artista, educador social e militante antimanicomial Kric Cruz trouxe um pouco da sua história como usuário dos serviços de saúde, com passagem por instituições manicomializantes: “Conquistei minha liberdade”, afirmou, “hoje dou aulas, faço oficinas”. Cruz reforçou o papel definitivo que a arte e a cultura trouxeram para a sua ressocialização, “hip hop já salvou mais gente que qualquer tratamento”, provocou. Também fez um chamamento à categoria para a aplicação ética do compromisso social da Psicologia, sendo endossado pela psicóloga (CRP 135164/06) e membra da Comissão Gestora Metropolitana Sandra Regina Ramos Braz.

Estudantes também fizeram suas contribuições. Uma das estudantes, com atuação em movimentos sociais, trouxe reflexões sobre o momento das internações involuntárias e compulsórias: “Torna-se um ciclo de internações. A pessoa passa a não se ver mais como pessoa. Ela não será ressocializada. Quem vive em um manicômio não sabe mais viver fora sem rede de apoio e equipamentos apropriados”, concluiu.

A psicóloga (CRP 06/86192) e conselheira do CRP SP Annie Louise Saboya Prado, a Gigi, integrante da Comissão de Direitos Humanos e Políticas Públicas (CDHPP) do CRP SP, abordou as comunidades terapêuticas e as novas formas de manicomialização da vida e a aniquilação das subjetividades nestes espaços. Também pontuou a política proibicionista e antidrogas, salientando a insuficiência dos modelos atuais: “Não está funcionando”, argumentou com veemência.

Luiz Fernando Rodrigues Novais, psicólogo (CRP 06/165953) e coordenador da Subsede Metropolitana, centrou-se na questão da saúde mental passar pelo direito à moradia e à cidade. Ele estava acompanhado por integrantes de movimentos de luta por moradia, que também fizeram suas falas e compartilharam suas experiências.

Na roda também foram tematizadas as urgências em transversalizar a luta antimanicomual nas questões de raça e gênero e na situação das pessoas LGBTQIA+. Por fim, foi afirmada a potência de ocupar os espaços, como o que acontecia naquele momento. “A rua é resistência”, expressou um representante de Osasco. 

Campanha #PorUmSUSAntimanicomial

A mobilização #PorUmSUSAntimanicomial foi idealizada pela Comissão de Direitos Humanos e Políticas Públicas (CDHPP) do CRP SP em parceria com as comissões gestoras das subsedes, percorrendo, ao todo, 11 cidades do litoral e interior do estado de São Paulo. As ativações marcam também os 35 anos da Carta de Bauru, documento inaugural da Luta Antimanicomial (leia mais abaixo).

Para potencializar esta luta histórica da Psicologia, CDHPP buscou uma forma de intervenção que marcasse a defesa da saúde mental pública, de base territorial e comunitária, e ao mesmo tempo levasse a pauta para o debate público, instigando a sociedade a pensar, juntas/os, sobre quais modelos de cuidado se pretende para as pessoas em sofrimento mental, ainda mais em tempos de abalos na Reforma Psiquiátrica e de instauração de novas formas de afastar e isolar indivíduos considerados “indesejados” ou “fora das normas”.

Conforme explicam as integrantes da CDHPP: “Diante dos retrocessos vindos das diferentes esferas governamentais, as ativações afirmam a necessidade de implicar toda a sociedade, a educação popular e nas ruas, com as famílias que estão percebendo a falência de serviços manicomiais e a violência perpetrada por estas instituições. Essa união se faz imprescindível para desmascarar as intenções de lucro e de exclusão da diversidade que se fazem presentes nas políticas manicomiais e proibicionistas. Para a rua, segue a luta!”, afirmam.

A pandemia do coronavírus resultou em dois anos sem que a luta antimanicomial tomasse as ruas, seu local histórico de mobilização. “As projeções contemplam este desejo de retorno ao espaço que representa o local onde deve ser realizado o cuidado em liberdade, no território, na rua e com a comunidade. Foi a forma mais simbólica e mais abrangente que encontramos de marcar esta defesa. Para o povo e com o povo, esta é a saúde mental em que acreditamos e pela qual lutamos. É nas ruas que conversamos com todas as pessoas”, explica a psicóloga Gigi, uma das articuladoras da campanha na CDHPP.

No momento em que as projeções aconteciam, em muitos territórios, foram oportunizadas rodas de conversas, previamente organizadas ou espontâneas, com as presenças de psicólogas/os, profissionais da saúde, usuárias/os, estudantes e pessoas que circulavam pelos espaços, pondo em debate a questão antimanicomial e possibilitando trocas sobre o tema. Nas ocasiões também se recuperava oralmente um pouco da história de cada território. As ações foram, ainda, noticiadas por veículos das imprensas locais e por publicações nas redes sociais por meio da hashtag da campanha, #PorUmSUSAntimanicomial

Saiba como foram as projeções nos territórios:

12/05 Sorocaba; 06/05 Assis; 29/04 Santos; 31/03 Ribeirão Preto; 24/03 Bauru; 17/03 Campinas; 10/03 Suzano; 24/02 São José do Rio Preto; 17/02 Santo André e 10/02 São José dos Campos.

Somando-se às ativações de rua, o CRP SP trouxe, em seus canais, uma série de vídeos curtos protagonizados por psicólogas/os e conselheiras/os, contextualizando a Luta Antimanicomial ao público. Até agora, a campanha já somou cerca de 700 mil visualizações orgânicas. Acesse aqui: Instagram; Facebook; YouTube.

Em 2021, o CRP SP também abordou a temática do cuidado em liberdade por meio de uma série de podcast em seu canal oficial, o Estação Psicologia (acesse aqui), com entrevistas com especialistas e convidadas/os, incluindo episódio especial sobre Bispo do Rosário, articulador fundamental na Luta Antimanicomial. Essa ação originou o Caderno Temático do CRP SP, que recupera os episódios do podcast e será lançado no próximo semestre. Por fim, a edição 200 do Jornal Psi será totalmente dedicada ao cuidado em liberdade.

Região Metropolitana de São Paulo e a Luta Antimanicomial

A história da Luta Antimanicomial nas quatro cidades que constituem a sexta região do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, sendo São Paulo, Osasco, Taboão da Serra e Mairiporã, passa, necessariamente, pela construção, implantação e pelo fortalecimento do SUS. Na cidade de São Paulo, temos o exemplo da história do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Itapeva, inaugurado em 1987, sendo o primeiro do Brasil. Por esse CAPS já passaram importantes usuários, trabalhadores e militantes da luta antimanicomial, como Carlão. 

Para além dos próprios equipamentos de saúde, a militância de Carlão ensinou a nós que saúde mental e Luta Antimanicomial se fazem também na luta por moradia, antirracista e por educação. Assim, os movimentos sociais se mostraram importantes espaços de produção de cidadania, saúde e dignidade. 

Dignidade se garante com muitos fatores, inclusive com geração de trabalho e renda, na qual a economia solidária cumpre um papel essencial com vários pontos de produção e venda, como o Centro Público de Economia Solidária de Osasco, o CAPS II de Taboão da Serra, que trabalha junto à Rede Estadual de Saúde Mental e ECOSOL, a Feira de Economia Feminista e Solidária e o Ponto BeneditoEconomia Solidária e Cultura, em São Paulo. Assim, a Luta Antimanicomial se faz no cotidiano dos territórios, como em Mairiporã, que realizou sua primeira Conferência Municipal de Saúde Mental neste ano, contando com trabalhadoras/es, usuárias/os, militantes, gente que ousa sonhar com um mundo com mais justiça, afeto e cuidado.

Sobre a Luta Antimanicomial e a Psicologia

A Luta Antimanicomial é um processo histórico das pessoas em sofrimento mental e das/os profissionais da saúde pela garantia dos Direitos Humanos e sociais e pelo cuidado em liberdade. 

Até pouco tempo, as únicas possibilidades de cuidado para alguém que sofresse de problema mental eram o isolamento e a segregação compulsórios, em hospitais psiquiátricos que submetiam pacientes a tratamentos nos quais sua palavra, sua singularidade e seu desejo eram desconsiderados.

A partir de denúncias sobre este tipo de intervenção que revelavam tanto a ineficiência do modelo de internação, quanto suas práticas de opressão e violência, em meados dos anos 80, o cenário foi se transformando. Muitos países optaram por reduzir de maneira drástica as internações em hospitais psiquiátricos. Com a mudança de paradigma, passaram a ser investidos recursos em serviços comunitários de saúde mental mais próximos dos lugares onde os indivíduos habitam, onde a vida acontece e onde se dá o processo saúde-doença. 

No Brasil, o processo foi nomeado como Reforma Psiquiátrica, culminando na Lei n.º 10.216 de 2001. Resultou em uma abrangente e diversificada política de saúde mental que, desde os anos 80, vem consolidando-se em uma ampla, complexa e multidisciplinar rede de serviços de saúde mental, como Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), residências terapêuticas, centros de convivência, consultórios na rua, Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASFS), entre outros. Nesse modelo, valoriza-se o cuidado em liberdade em território, apostando-se no aumento da potência da vida do sujeito, na construção de formas de lidar com seu sofrimento. 

Embora a Reforma Psiquiátrica assegure o fechamento gradual de manicômios e hospícios e os direitos das pessoas em sofrimento mental, o número de pessoas em privação de liberdade nestas instituições e em outras, que agora operam sob novas nomenclaturas, tem crescido nos últimos anos. Segundo o Ministério da Cidadania, o número de vagas financiadas pelo governo federal nas chamadas comunidades terapêuticas, por exemplo, saltou de 2,9 mil, em 2018, para em torno de 11 mil em 2019.

As reivindicações postas pela Luta Antimanicomial seguem atuais diante dos ataques e desmontes das Políticas Públicas de saúde mental e da manutenção de lógicas excludentes. As mobilizações contra a mercantilização da saúde e por uma sociedade sem manicômios mostram-se urgentes e se fortalecem como um compromisso da Psicologia.

A Carta de Bauru e a Luta Antimanicomial

A cidade de Bauru ficou historicamente conhecida como precursora do movimento da Luta Antimanicomial quando, em 1987, um grupo de usuárias/os, familiares e trabalhadoras/es dos equipamentos de saúde elaborou a famosa Carta de Bauru, ou Manifesto de Bauru, no II Congresso Nacional dos Trabalhadores em Saúde Mental. O documento levanta como principal pauta os desafios para a construção de uma sociedade livre de manicômios, espaços que retiram a dignidade humana e reproduzem práticas de violência e abuso. 

A carta marcou não só a reivindicação por mais tecnologia e modernização dos sistemas de cuidado, mas também por uma transformação no pensamento estruturalmente preconceituoso e opressor. Foi uma convocação para que toda a sociedade assumisse a pauta e lutasse por condições de atendimento e saúde dignas.

#PraTodosVerem: a matéria traz fotografias da projeção realizada no Largo do Arouche, centro de São Paulo. Aparecem imagens da roda de conversa e de pessoas reunidas em frente à projeção. O cenário é noturno e as pessoas vestem roupas quentes. As projeções trazem as frases "Carlão, presente!", "Melhor ser um loko na boa do que um normal asfixiado", "Saúde mental precisa ser antimanicomial" e "Saúde mental é moradia, educação, liberdade, cultura, vacina, redução de danos, esporte, lazer, política pública e comida".